Como prólogo, transcrição do texto de Carlos Drummond de Andrade – No Jardim –, publicado em sua coluna do caderno B do Jornal do Brasil em 14 de outubro de 1972. Foi escrito em seguida ao lançamento do guia, quando recebeu do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, IBDF, um exemplar. Nele o poeta desenvolve uma belo texto inspirado nos nomes populares revelados no Índice das principais espécies e plantas e nas Informações gerais organizadas pelo escritor Rubem Braga, ilustre colaborador.
No jardim
Outubro, o pau-brasil está florindo
ou
O pau-brasil (outubro) está florindo
ou ainda
O pau-brasil está florindo: outubro
Outras variações seriam praticáveis, mas importante não é o decassílabo, é ir ao Jardim Botânico e ver as flores nacionalistas do pau-brasil. Vai lá, vai lá. Ele continuará vicejando em outubro, para atender aos retardatários, mas o bom é assistir ao aparecimento das primeiras flores. Dá uma olhada também na Sapucaia, no Pau-de-rosas, na Cananga-do Japão. E na Flor-de-cera, em sua delicadeza e recato. São festas de outubro.
Problema é que no Jardim Botânico do Rio tudo merece ser visto, assuntado, amado com os olhos. Como fazer? Aí intervém o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, sob a presidência de João Maurício Nabuco, e edita um guia primoroso, que já pelo semblante gráfico dá ideia de flor e de pássaro.
Quem não sabia fica sabendo que lá vivem, na segurança do vôo e da água-com-açucar, sete espécies de beija-flores: o do rabo branco. o da mata, o tesoura-grande, o preto, o verde-ouro, o verde-tesoura e o besourinho. E quatro de sabiás, que não querem saber de outra vida: una, laranjeira, branco e poca. E tem os pássaros cujos nomes revelam a propriedade e a graça com que o povo costuma batizar as crianças da natureza: enferrujado, ferro-velho, carrapateiro, fura-mato, maria-já-é-dia, rendeira, lavadeira, risadinha, caga-cebo, joão-grande.
O mesmo poder qualitativo opera sobre os vegetais, e não resisto ao esporte de compor um tipo de versinho
(?) que costuma surgir por aí, valendo-me de nomes de plantas que o Jardim Botanico ostenta bravamente em meio à aridez urbana:
Crista-de-galo
orelha-de-coelho
barba-de-barata
rabo-de-cutia
coração-magoado.
Escova-de-macaco
arrebenta-cavalo
cipó-milhomes
fel-da-terra
amor-agarrado
Bico-de-papagaio
sumaré-de-pedrafolha-da-fortuna
paina-de-santa-bárbara
malícia-de-mulher.
Não desfazendo, claro, na magia das denominações científicas, que conduz a voos nefelibatas ou encantatórios (ou os naturalistas não são também poetas?):
Nymphaea cerulea
datura insignis
erythrina corallodendrum
plattypodium elegans.
Compensação da tristeza de não saber latim: seus valores sônicos agem musicalmente, e cada planta é um acorde, um verso.
Saio colhendo nomes pelo Jardim: Solandra evoca-me Solombra, de Cecília Meireles, Dioclea Macrocarpa é uma dama orgulhosa que me recusa cumprimento,
Calliandra Cavatina em dueto, com a grande Maria d'Aparecida, não sei que doença deu em Lagerstroemia Índica, e ouço de Theobroma Speciosum uma anedota sofisticada.
Todo o horto, repito, é um rir de verdes, asas, festa natural, pois a natureza não se esgota nem precisa de ti para brincar luxuosamente consigo mesma. Se a visitares, entretanto, participarás desses jogos de luz, seda, pluma, resina de ouro, movimento. Lá está o esquilo, aliás, caxinguelê, aliás quatiaipé, aliás caxinxe, aliás serelepe. É um guia a seu modo, a saltar de galho em galho justificando esse último apelido. De aléia em aléia, acharás o que te falta aqui fora, aquilo de que andavas famintamente saudoso. Uma fortaleza contra a poluição, contra desgaste da vida em Babel. Vai lá. Está florindo, outubro, o pau-brasil.
Carlos Drummond de Andrade
O Guia do Jardim Botânico do Rio de Janeiro consistia em seis impressos: Informações gerais, Histórico do Jardim, Calendário de floração, Índice das principais espécies e gêneros, Os pássaros que habitam o Jardim e um mapa "vôo de pássaro". Em formato A2 (594 X 420mm) eram editados em duas versões: como folders, com fotografias de um lado e informações no outro; e como cartazes, sem dobras, embalados em tubos.
A edição contou com a participação do paisagista Roberto Burle Marx, que restaurou as paisagens dos locais selecionados para as fotos, e do escritor Rubem Braga, que assinou os textos referentes às informações gerais e ao histórico do Jardim. As fotos principais foram confiadas ao fotógrafo Humberto Franceschi. Outras contribuições foram importantes, como a do ornitólogo Helmut Sick e do botânico Pe. Raulino Reitz, diretor da instituição na época.
O guia foi oferecido à venda durante muitos anos na portaria do Jardim e foi muito bem aceito pelo público, inclusive no elogioso e belo texto de Carlos Drummond de Andrade.
O projeto foi encomendado pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, IBDF, órgão ao qual o Jardim era subordinado. Minha participação como editor e designer deveu-se à indicação do escritório Aloisio Magalhães.
Jardim Botânico RJ /guia










